segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
toxicodependencia
Introdução a toxicodependencia
O toxicodependente é, por assim dizer, o produto mais bem acabado de uma sociedade onde progressivamente o valor dos laços e das relações afectivas se vai perdendo e que elegeu o químico e o consumo como valores de felicidade. Mas se a abordagem sociológica sobre o fenómeno da toxicodependência serve para afirmar a eclosão de um problema social que envolve todas as camadas da população, não serve para uma tradução literal que consiste em afirmar que a toxicodependência é apenas um comportamento desviante. Muito menos serve para construir práticas terapêuticas que tenham como objecto o sofrimento do sujeito toxicodepente na sua individualidade, na sua idiossincrasia. Como sabemos, a intervenção nas variáveis do meio ou nas variáveis comportamentais não se tem revelado suficiente para tratar o problema.
«Os toxicodepentes não são capazes de se envolver numa relação terapêutica longa», «os toxicodependentes rejeitam a relação», argumenta-se, e em simetria responde-se: «Dêmos-lhes então outra coisa que não passe pela oferta de uma relação psicoterapêutica». Nós diríamos: «Dê-se-lhes então o que eles dizem não querer».
A abordagem psicológica geradora de mudanças na personalidade, que responda ao pedido latente do sujeito em sofrimento, pode, na nossa opinião, permitir sair do impasse e abrir para um outro registo de comunicação gerando turbulência dentro da estrutura psicopatológica e obrigando-a a ceder, a abrir-se à mudança, ou seja, criar o desequilíbrio para que um novo equilíbrio se possa organizar dentro e fora do sujeito.
Uma perspectiva terapêutica que aposte sobretudo nas potencialidades e virtualidades da oferta de uma psicoterapia, de uma relação humana continuada, aos pacientes toxicodependentes, cria uma assimetria, já que, como dissemos, no plano da sua realidade quotidiana os toxicodependentes rejeitam activamente o estabelecimento de uma relação humana com uma pessoa específica e até fazem crer que não precisam dela (faltando, afirmando não precisarem de nada nem de ninguém, induzindo sentimentos de rejeição, envolvendo-se em pseudo-relações amorosas, esporádicas e vazias de afecto).
Esta cegueira, ou seja, esta incapacidade do toxicodependente em ser capaz de reconhecer, de ter consciência, qual é a sua verdadeira «fome», o que lhe falta, leva-o a procurar ininterruptamente parceiros onde o vínculo, a confiança, a relação humana não estão presentes... dando-lhe a ilusão de uma grande independência. Às vezes conseguem ser tão «seguros e afirmativos» nessa sua cegueira que facilmente convencem (ou manipulam?) o terapeuta a responder ao pedido manifesto sem que este se aperceba do pedido latente, a saber: «Ofereça-me aquilo que tive e perdi: uma ligação afectiva continuada, um vínculo que perdure e resista às minhas investidas destrutivas... se não, tenho sempre à mão a droga que me faz sentir bem e me dá a sensação de que posso viver auto-abastecendo-me de ilusões».
Pressupõe-se obviamente que o modelo psicoterapêutico usado desaloje o toxicodependente da posição narcisista em que se encontra («eu sou o maior»), o desaloje das defesas poderosas (arrogância, desprezo, negação) que lhe servem apenas como couraça para a extrema fragilidade psicológica e que permita a construção ou a reconstrução da capacidadade no toxicodependente do estabelecimento de uma relação humana (com o que ela pressupõe de ameaça de perda e de tolerância ao sofrimento), tecida na relação de transferência e contratransferência entre o paciente e o psicoterapeuta. O paciente, ao ser capaz de se abandonar à relação terapêutica, está dando a si próprio uma nova oportunidade: a de poder vir a restabelecer gradualmente uma teia de laços afectivos e sociais que lhe restituam a capacidade de viver, em relação com os outros,
Mas não será a área das toxicodependências, nos seus vários epifenómenos, uma área profundamente cega, geradora de falsas crenças que nutrem o erro?
Ou seja, o toxicodependente é cego face à sua própria psicopatologia, não se crê doente, não vê nem deixa ver a sua «ferida», quer livrar-se da substância que o escraviza não se concebendo ele próprio como o que a deseja e procura.
A família do toxicodependente é, em muitos casos, cega face ao problema do filho. Começa por não ver os primeiros consumos. Só se apercebe mais tarde que o filho consome (já consome há anos) e quando finalmente já não pode deixar de ver continua na sua cegueira: «Ele droga-se porque é mau»; «ele droga-se porque anda com más companhias»...
A sociedade é cega quando persiste em não querer ver a sua tremenda responsabilidade na degradação da qualidade de vida das famílias, primeiro contexto relacional onde se cria o terreno psicológico sobre o qual mais tarde, quase sempre na adolescência, a droga encontra um terreno psicologicamente favorável à sua acção euforizante.
A ciência colabora na cegueira geral ao não conseguir impor um discurso científico que parta, não de opiniões, mas dos dados da realidade tal como eles são verificados através do único meio de que a ciência dispõe: a investigação clínica e a investigação empírica.
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